“Realizamos todos os esforços possíveis. Tudo o que estava ao nosso alcance, fizemos. Chegamos ao limite da nossa influência, comunicando ao governo dos EUA sobre a situação do Brasil. Agora, cabe a vocês acelerarem essa negociação bilateral”. Essa foi a mensagem recebida pelas entidades do setor cafeeiro brasileiro das contrapartes do setor privado americano, conforme relatou o diretor geral do Cecafé, Marcos Matos.
Na última sexta-feira, 14 de novembro, a Casa Branca anunciou uma nova orientação que revoga a taxa recíproca de 10% sobre a importação de cafés do Brasil, mas manteve os 40% adicionais, que estão em vigor desde agosto deste ano e têm impactado consideravelmente as exportações brasileiras do produto.
Um relatório do Cecafé indica que, entre agosto e o final de outubro, período de aplicação da tarifa de 50%, os norte-americanos adquiriram 983.970 sacas, representando uma queda de 51,5% em relação às 2,030 milhões registradas nos mesmos três meses de 2024. Apesar da redução provocada pela taxação, os Estados Unidos continuam sendo o principal importador dos grãos brasileiros, com a importação de 4,711 milhões de sacas nos primeiros dez meses deste ano, o que representa uma diminuição de 28,1% em comparação com o mesmo período de 2024.
Uma nota da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) destaca que a alta taxa tarifária imposta ao Brasil agrava as distorções comerciais e tende a intensificar, no curto prazo, a queda nas exportações de cafés especiais para os Estados Unidos.
Segundo Matos, a manutenção da taxa de 40% pode agravar ainda mais a competitividade do café brasileiro nos EUA em relação aos principais concorrentes: “Nossos concorrentes já tinham acordos bilaterais firmados e estavam com taxas entre 10% e 30%. Agora, todos foram zerados. Isso cria uma distorção e amplia consideravelmente a desvantagem do Brasil em relação aos concorrentes. Nossa situação competitiva piorou bastante. Atualmente, exportamos para os EUA 80% de cafés verdes arábica, 10% conilon e 10% solúvel. Com a manutenção dessa taxa, os países da América Central ganham vantagem, pois têm condições comerciais mais favoráveis. O tempo agora está contra nós, mas precisamos agir rapidamente para encontrar uma solução, que depende de nós”, alertou.
É importante lembrar que os EUA não produzem café. O café brasileiro é essencial para a indústria americana, representando cerca de 34% do consumo total do país. A cada dólar exportado do Brasil, são gerados US$ 43 na economia americana, e o setor cafeeiro nos EUA emprega cerca de 2,2 milhões de pessoas, um número diretamente ligado ao volume de café importado. A cadeia de valor do café nos EUA movimentou cerca de US$ 343 bilhões em 2024, correspondendo a 1,2% do PIB americano.
O Notícias Agrícolas consultou especialistas do setor cafeeiro para avaliar o real impacto desse novo cenário no mercado futuro:
VICENTE ZOTTI, SÓCIO DIRETOR DA PINE AGRONEGÓCIOS
“O café brasileiro já perdeu toda a competitividade. As torrefações estão consumindo seus estoques finais, comprando de forma muito limitada, e, com isso, o Brasil está perdendo um pouco de participação de mercado, o que é negativo. Agora, insistimos que, em algum momento, essas tarifas sobre o café brasileiro precisam ser reduzidas, pois, se não, os estoques dos EUA vão se esgotar, e eles terão que comprar o grão brasileiro com 40% de tarifa, repassando esse custo ao consumidor, que já está reclamando dos preços. A permanência dessa situação não faz sentido. Se essas tarifas não forem reduzidas, a pressão vai aumentar, uma vez que haverá uma exportação muito menor do que o necessário para os Estados Unidos, o que pode levar a um aumento dos estoques. Não é uma tragédia completa, mas isso pode resultar em um leve aumento nos nossos estoques, o que pode também pressionar a entrada da nova safra. Mas, para mim, isso não faz sentido, já que, se isso ocorrer, os Estados Unidos, como disse, terão que comprar café do Brasil com 40% de tarifa por falta de opções, então não parece fazer sentido.”
MARCELO MOREIRA, ANALISTA DE MERCADO DA ARCHER CONSULTING
“Hoje, o café brasileiro com 40% de imposto, especificamente o arábica, está custando aproximadamente US$ 170 por saca, mais caro que a concorrência. Qual é a regra americana? Você não pode enviar café brasileiro para triangulação, mas pode pegar o café arábica de Honduras, que produz 5 milhões de sacas, do México 4 milhões, da Guatemala 3 milhões, da Indonésia 11 milhões, da Etiópia 9 e de Uganda 7, e esses países podem enviar essa produção para os EUA sem pagar imposto. Assim, os países que estão vendendo para outros destinos podem repor sua produção com café brasileiro e usar nosso café para atender suas demandas em outros contratos. Com um custo adicional de US$ 170 para o Brasil, há uma margem significativa para o mercado. O Brasil pode parar de vender para os EUA e redirecionar mais café para o México, Honduras, Colômbia, até mesmo para verificar se os americanos aplicarão tarifas na Colômbia ou não. Isso é uma possibilidade, já que houve ameaças do Trump há cerca de um mês. O Brasil continuará enviando café para repor a produção de cada um desses países, dentro do limite de cada um. O fluxo continuará, apenas mudando o destino do café brasileiro. Contudo, os americanos precisam continuar comprando as 78 milhões de sacas de café arábica.”
DANIEL PINHATA, ANALISTA DA DATAGRO
“Na última quinta-feira (13/11), o FRED (banco de dados do Federal Reserve) divulgou que o preço médio do café no varejo dos Estados Unidos atingiu US$ 9,14 por libra em setembro, o maior nível já registrado. Essa alta nos preços reflete tanto a elevação internacional do grão quanto o impacto das tarifas impostas pelo governo Donald Trump sobre as importações de café de todos os principais exportadores globais. Em um cenário de preços recordes do café no varejo norte-americano e de crescente pressão inflacionária sobre os consumidores, os EUA retiraram o café da tarifa-base de 10%, mas mantiveram a sobretaxa de 40% especificamente sobre o produto brasileiro. Com outros exportadores agora negociando isenções totais, o Brasil continua em desvantagem competitiva no mercado norte-americano, e, diante do risco de perda de participação e renegociação de contratos, o setor está pressionando por avanços diplomáticos para reequilibrar as condições de acesso aos EUA, a fim de evitar mudanças estruturais entre os fornecedores norte-americanos, especialmente com a iminência do aumento nos embarques de outros produtores, como Honduras e Guatemala.”











