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Às margens do rio Guamá, em Belém, o Estado do Pará investe em um novo modelo para a economia amazônica: um Parque de Bioeconomia e Inovação, com o objetivo de auxiliar empreendedores a transformar produtos florestais como açaí e castanha-do-pará em mercadorias para os mercados nacional e internacional.
O complexo, inaugurado no mês passado e inspirado no Vale do Silício, busca modernizar a economia local utilizando a floresta em pé, criando empregos enquanto preserva a Amazônia.
Enquanto os negociadores da COP30 se reúnem em Belém para discutir o futuro incerto do planeta, o Brasil quer demonstrar que a produção sustentável de produtos florestais — a chamada bioeconomia — pode rivalizar com indústrias destrutivas como a pecuária e a mineração.
“Nosso objetivo é que o Estado do Pará transforme a floresta em uma nova vocação estratégica, convertendo nossa biodiversidade em uma nova economia que gere empregos e novos negócios”, afirmou à Reuters o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB).
“Que possamos reduzir a dependência de economias extrativas e de emissões de gases de efeito estufa, em favor de economias de baixas emissões que valorizem a floresta viva.”
O chef paraense Leonardo Souza foi um dos primeiros a utilizar os laboratórios do BioPark, expandindo sua produção de 60 potes de sal artesanal com ervas amazônicas por dia, utilizando fornos alugados, para cerca de 1.000. “Trabalhávamos com 42 famílias fornecendo ervas. Agora serão cerca de 200”, disse ele, que teve que ampliar sua rede de fornecedores além de sua comunidade, com a qual começou a trabalhar durante a pandemia de Covid-19 para aumentar a renda local.
No ano passado, o Brasil lançou um plano nacional para tornar a bioeconomia uma das principais forças da economia brasileira. A estratégia inclui 10 prioridades, que vão desde pequenos negócios como o de Souza, produção de medicamentos fitoterápicos, até concessão de florestas nativas e turismo.
O programa Eco Invest, lançado no ano passado, utiliza fundos públicos para atrair capital privado estrangeiro para projetos sustentáveis e, com o quarto leilão do programa, anunciado na quinta-feira, o governo almeja captar US$3 bilhões em investimentos privados a partir de US$1 bilhão em recursos públicos, provenientes do Fundo Climático do Brasil e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
O secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda, Rogério Ceron, declarou à Reuters que o governo irá, pela primeira vez sob o programa, adicionar 20% do valor da carteira como capital catalítico para financiar assistência técnica, visando viabilizar empreendimentos complexos ou de maior risco, especialmente na bioeconomia.
“Esses pequenos produtores precisam de treinamento e assistência técnica para viabilizar esses tipos de projetos”, disse Ceron, citando exemplos como artesanato, pesca e agricultura sustentáveis e extração de matérias-primas para cosméticos.
Um estudo realizado em 2019 pelo BID, pela Nature Conservancy e pela gigante brasileira de cosméticos Natura revelou que 30 cadeias de valor de produtos florestais no Pará geraram R$4,24 bilhões em renda local — quase igualando os R$4,25 bilhões da pecuária, que depende do desmatamento.
“Esse estudo evidencia uma mudança de paradigma”, afirmou Paula Caballero, diretora da Nature Conservancy para a América Latina. “Este não é um mercado de nicho. Ele pode ser muito forte.”
O boom do açaí
Entre os produtos mais comuns da Amazônia está o açaí, uma fruta rica em antioxidantes cuja popularidade como alimento saudável, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, impulsionou as projeções de crescimento do mercado de US$1,23 bilhão em 2024 para US$3,09 bilhões em 2032, segundo o governo brasileiro.
Todas as noites, centenas de barcos descarregam sacas de açaí no mercado Ver-o-Peso, em Belém, para serem comercializadas em todo o Brasil e no exterior.
O empresário francês Damien Binois, 35 anos, é um dos que adquire açaí diretamente dos produtores paraenses. Ele fundou sua NOSSA! AÇAÍ após experimentar a fruta em 2012, quando veio ao Brasil para fazer um mestrado em comércio internacional em São Paulo, e transformou o foco de seu estudo, a fruta amazônica, em um negócio de exportação. Hoje, exporta para a França, Espanha, Irlanda e Bélgica, comprando de 150 produtores locais — destes, 50 recebem assistência técnica direta da NOSSA!, e o número deve aumentar.
Já no próximo ano, o negócio deve crescer com a construção de uma fábrica em Barcarena, cidade a 100 quilômetros de Belém, onde pretende contratar 40 pessoas até 2026, com a meta de chegar a 200 em 2030.
“Hoje, a renda para quem produz açaí é muito boa. Com o crescimento do mercado, o preço do açaí aumentou significativamente. Na época da safra, está em torno de R$60 uma panela de açaí, enquanto há cinco anos estava entre R$15 e R$20”, comenta Binois. “Atualmente, o açaí representa uma grande oportunidade de melhoria na renda das pessoas.”
Café e reflorestamento
Sarah Sampaio, diretora da ONG Amazônia Florestal, auxilia pequenos agricultores a cultivar café orgânico no sul da Amazônia, em uma área que ficou conhecida como arco do desmatamento, às margens da rodovia transamazônica.
Na década de 1970, atraídas pela promessa de uma vida melhor com a abertura da estrada, centenas de famílias chegaram à região de Apuí (AM) para desmatar, plantar e criar gado. Sarah explica que, apesar das tentativas, a terra desmatada não era tão produtiva quanto esperavam.
“Com o tempo e com partes da floresta se recuperando, descobriram que o café que tentaram plantar se desenvolvia melhor com as árvores ao redor”, relata Sarah. Hoje, 234 famílias em cooperativas produzem café orgânico e estão desenvolvendo blends de café premium que podem ser encontrados em supermercados pelo país, na internet e estão sendo exportados para a Holanda e a França.
“Oferecemos gratuitamente o preparo do solo, as mudas de café, as mudas nativas para reflorestamento e a assistência técnica, que é crucial. Desenvolvemos um produto que agradará, e garantimos a compra do café, pagando prêmios adicionais por ser agroflorestal, por ser orgânico e pela qualidade do café”, explica Sarah.
Desafios
Embora o potencial da bioeconomia seja imenso, existem desafios, conforme declarou à Reuters o pesquisador Carlos Nobre, um dos maiores especialistas na área.
Um estudo realizado por ele e colegas revelou que todos os produtos da biodiversidade representam apenas 0,4% do PIB brasileiro. Ao mesmo tempo, a pecuária, que é atualmente a principal causa do desmatamento na Amazônia, representa 6% do PIB.
“Na região amazônica, um produto, a carne bovina, representa 17% do PIB e é o principal fator do desmatamento. Enquanto cooperativas de produtos da biodiversidade lucram mais, empregam mais e protegem a floresta, ainda assim representam apenas 1,5% do PIB











